Cânticos 5

Uma noite, estava eu a dormir e o meu coração acordou,num sonho. É que ouvi a voz do meu amor,que me estava a bater à porta do quarto: -Abre-me, minha querida, minha amada,minha pomba - dizia ele, - passei a noite toda fora,e estou coberto de orvalho.

Mas eu respondi-lhe: Já me despi; iria eu agora vestir-me de novo? Lavei já os pés, iria torná-los a sujar?

O meu amor tentou abrir ele próprio o fecho da porta e as minhas entranhas estremeceram por amor dele.

Saltei por fim da cama para lhe abrir. As minhas mãos destilavam perfume,quando puxei pela fechadura da porta.

Abri então ao meu amado,mas ele já se tinha ido embora. O meu coração parou de bater. Busquei-o por toda a parte,mas sem o encontrar. Chamei por ele, mas não obtive resposta alguma.

Os guardas da ronda virame espancaram-me, deixando-me ferida; a sentinela da muralha rasgou-me o manto.

Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém,que se encontrarem o meu amorlhe digam que estou doente de amor. As filhas de Jerusalém:

Ó mulher de rara beleza, que tem o teu amado mais do que qualquer outro,para que nos peças tal coisa? Ela:

O meu querido tem a cor saudável da pele: queimada pelo Sol; é elegante; é melhor do que dez mil outros mais!

A sua cabeça é como ouro puríssimo; tem os cabelos ondulados e pretos retintos.

Seus olhos são duas pombasjunto a uma corrente de águas, límpidas e calmas.

As faces são um canteiro de plantas aromáticas; seus lábios perfumados,como lírios que gotejassem mirra!

Seus braços parecem argolas de ouro engastadas de topázios; seu corpo é de esplêndido marfim, escrustado de pedras preciosas.

As pernas, tem-nas como se fossem pilares de mármore,assentes em bases de ouro puro; parecem-se com os maravilhosos cedros do Líbano; não têm rival.

Seu falar é doce; sim, é todo desejável. Tal é o meu amado, o meu amigo, ó filhas de Jerusalém.